CANÇÃO DE BARCO E DE OLVIDO
Para Augusto Meyer
Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.
Ai esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?
Que eu vou passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...
No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.
Mario Quintana (Canções)
- RECADO:
ResponderExcluir"Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Por que havermos de ir juntos?"
Meus amigos...
este canto que precede meu recado é do mestre Fernando Pessoa, assinado pelo seu heterônimo Álvaro de Campos.
É um canto de revolta, de protesto, de auto-afirmação, de necessidade que cada ser humano, num dado momento, de trilhar sozinho um caminho.
É uma forma de dizer, como José Régio, em "Cântico negro":
"- Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"
A vida acadêmica é sempre um duro caminhar.
Caminhamos entre as vaidades fúteis dos mestres, dos títulos, da pomposidade inócua...
Caminhamos ante as necessidades e carências (públicas e privadas) que nos consomem no dia-a-dia...
Caminhamos entre as cobranças que nos fazem, e também ante as expectativas que criam em relação à nossa imagem (como profissional, como ser humano), à nossa atuação (como docentes), à nossa maneira de ser (pessoal, particular e ante a nossa imagem pública)...
Caminhamos sempre tendo que fazer escolhas...
Escolhas que, muitas vezes, incomodam, machucam, causam desconforto... para os demais, para nós mesmos...
Caminhamos a despeito de tudo... porque temos que caminhar, porque faz parte da nossa trajetória, porque temos que cumprir a "sina que nos cabe neste latifúndio" (como diria Chico em sua célebre canção)...
Amo Breves...
Aprendi a amar...
Apesar das dificuldades...
É uma cidade acolhedora, singela, com seu ‘caliente’ encanto marajoara natural, com seu povo acolhedor, mesmo com suas mazelas, com suas polêmicas, com seu diz-que-diz-que intermitente...
Quem confere encanto a um lugar são as pessoas... Elas se tornam o referencial identitário das coisas e dos lugares...
Somos nós, sempre, que, como seres atuantes, vamos, passo a passo, construindo uma ideia de nós mesmos, dos lugares, das pessoas que nos cercam...
Agora, quando penso em Breves, penso nas pessoas que estão por lá...
São estas pessoas que fazem de Breves um recanto significativo, um oásis para a amizade, um encontro para a nossa auto-satisfação...
Os amigos?
São Muitos...
Mestre Guilherme (e sua cara metade, Danny), Celso, Celiane, Elvio, Etiene, Gláucia...
Os alunos das turmas passadas (de Pedagogia, de Letras)... Quantos TCCs, quantas tarefas, quantas jornadas!...
Agora, tenho, também, como referencial afetivo, os pupilos das turmas recentes...
Ai, meu Deus!, essa turma de Letras 2007, veio para deixar sua marca no Campus, veio para abrir portas, construir possibilidades, acreditar no sonho, mas, sobretudo, acreditar no real, no aqui, no agora...
Estou feliz...
A vida, digo com Vinicius, é sempre a arte do (re)encontro...
Ter amigos é muito bom... Amigos, diferentemente da família, ficam na nossa vida por escolha nossa...
Para os amigos não precisamos explicar nada...
São o nosso ponto de chegada...
Traçam a trajetória do nosso prazer...
Fazem com que a vida ganhe novos contornos...
São depositários de nossas alegrias, de nossas tristezas, das nossas mágoas, das nossas aflições...
Ajudam a solidificar as aspirações...
Compartilham os nossos segredos...
Constroem - conosco - outras alternativas para o futuro, dão roteiro certo para sonhos incertos...
Traçam o perfil mágico para as nossas idéias, que, aos poucos, vão ganhando contorno e se tornando mais próximas, mais plausíveis, mais palpáveis...
Acho que esse recado já está ficando logo demais...
Mas são palavras do coração.
OBRIGADO AMIGOS, POR VOCÊS EXISTIREM...
Um beijo n'alma.
Joel Cardoso
Cântico negro
ResponderExcluirJosé Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!